Atuando na capital mais populosa da Amazônia, região com a maior diversidade de cobras do país, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) da Prefeitura de Manaus se destaca como referência no atendimento a casos de envenenamento por ataques desses répteis. Devido a essa notoriedade, o serviço, gerenciado pela Secretaria Municipal de saúde (Semsa), entrou no foco de um documentário internacional sobre picadas de cobras em diferentes locais do mundo.
O gerente técnico do Samu Manaus, médico emergencista Eduardo Fernandes, foi um dos entrevistados da produção. Para ele, a escolha é um reconhecimento do serviço municipal como referência não só regional, mas também global, considerando a biodiversidade amazônica e a exposição da população a um grande número de espécies de ofídios.
“Temos aqui um centro de referência, que é a Fundação de Medicina Tropical, em integração com um serviço de urgência móvel, o Samu, que preza pela qualidade do atendimento. Isso mostra que estamos no caminho certo para oferecer à nossa população um cuidado mais seguro”, aponta.
Conforme Eduardo, no ano passado o Samu Manaus atendeu 25 ocorrências de acidentes ofídicos, decorrentes da mordedura de cobras, tendo metade desses casos ocorrido na zona rural. Neste ano, até o mês de julho, foram registradas 14 ocorrências dessa natureza.
O gerente relata que grande parte dos casos ocorre em áreas distantes, criando desafios maiores para o acesso ao local e a administração do tratamento com antiveneno. O tempo, ele explica, é um fator crucial. “O ideal é que a vítima receba o soro em, no máximo, seis horas após o acidente, e para isso precisamos de um trabalho coordenado entre urgência, atenção primária, assistência farmacêutica e logística de distribuição”, explicou.
Produção
O Samu Manaus foi escolhido para figurar num documentário em curta-metragem, produzido pela Atomized Studios, de Londres, para o Global Snakebite Taskforce, parte da iniciativa Strike Out Snakebite (SOS). O projeto busca ampliar a conscientização e financiamento para o alcance da meta da Organização Mundial de saúde (OMS) de reduzir pela metade as mortes e sequelas por picadas de cobra até 2030.
No Brasil, o curta vai apresentar a experiência do Samu em Manaus, destacando o ambiente amazônico e seus desafios. Na última segunda-feira, 18/8, a equipe de produção gravou imagens na Central de Regulação do serviço.
Segundo Eduardo, os produtores ficaram impressionados com o fato do atendimento do Samu ser ofertado de forma universal e gratuita, dentro do Sistema Único de saúde (SUS). “Isso é algo que muitos países não têm. Produzimos o soro, temos pesquisadores qualificados e conseguimos manter um serviço de emergência gratuito que funciona 24 horas. É uma conquista enorme do SUS”, disse.

Ocorrências
A Amazônia concentra o maior número de casos de picadas de cobra no Brasil e está entre as regiões com mais notificações no mundo. As principais causadoras de acidentes, conforme dados do SUS, são as jararacas e outras espécies do gênero Bothrops, responsáveis por 90% dos casos. Também há registros de ataques da surucucu-pico-de-jaca (Lachesis muta) e de cobras-corais (Elapidae).
Eduardo destaca que, além da distância, existe ainda uma barreira cultural. “Algumas comunidades indígenas tentam primeiro recorrer ao saber tradicional e só depois buscam atendimento médico. Muitas vezes, quando chegamos, já perdemos um tempo precioso para evitar complicações”, observa.
Prevenção e socorro
Eduardo Fernandes enfatiza que a prevenção é a principal estratégia para reduzir o risco de acidentes ofídicos. Entre as medidas, ele aponta o uso de equipamentos de proteção, como botas de cano alto, perneiras de couro ou botinas em atividades rurais, trilhas e pescarias, que podem evitar até 75% dos casos. Ao manipular folhas secas, lenha, lixo, a orientação é usar luvas de couro, levando em conta que 20% das picadas atingem mãos e antebraços.
O gerente recomenda atenção redobrada no amanhecer e entardecer, quando as serpentes estão mais ativas, evitando-se caminhar em áreas de vegetação rasteira, jardins ou gramados. “É preciso ter cuidados nos acampamentos e pescarias, devendo-se armar barracas longe de plantações, matos ou locais com roedores, evitar encostar em barrancos e não fazer piqueniques às margens de rios e lagos”.
O cuidado com o ambiente, ressalta o médico emergencista, contribui para reduzir o risco de acidentes. “Os quintais e arredores das casas devem ser mantidos limpos, sem lixo, mato alto ou entulho, pois isso atrai roedores, que por sua vez atraem serpentes”, orienta Eduardo, que indica ainda eliminar fontes de alimentos e vedar muros e frestas de portas para o controle dos roedores.
Em caso de picada, as recomendações são de manter a vítima calma e em repouso, evitando movimentos que acelerem a circulação do veneno, e acionar imediatamente o serviço de urgência (Samu 192), para a administração do antiveneno o mais rápido possível. Deve-se ainda retirar acessórios como anéis, pulseiras, fitas e calçados apertados, que podem agravar a situação em caso de inchaço local.
O gerente desaconselha manipular o ferimento de qualquer forma, seja espremendo, cortando, aplicando substâncias caseiras ou torniquetes.
“Até hoje ainda há quem tente ‘chupar o veneno’, outros que colocam plantas ou outros produtos na ferida acreditando que isso ajuda, mas não é recomendado. O ideal é manter a calma, não manipular o local da picada e buscar atendimento médico o quanto antes”, conclui Eduardo.

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Texto – Jony Clay Borges/Semsa
Fotos – Divulgação/Semsa