17/05/2023 – 15:05
• Atualizado em 17/05/2023 – 15:33
Renato Araujo/Câmara dos Deputados
Resultados do seminário serão enviados ao Ministério da Educação
A implementação do novo ensino médio dividiu opiniões tanto de especialistas como de deputados em seminário promovido pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (17). Previsto na Lei 13.415/17, o novo ensino médio prevê a flexibilização da grade curricular por meio da oferta de itinerários formativos, inclusive o ensino profissional, e a ampliação da educação integral, com expansão da carga horária. No início do mês passado, o governo editou portaria suspendendo por 60 dias a implementação do cronograma da reforma.
Professor da Universidade Federal do ABC, Fernando Cássio é crítico ao novo ensino médio. Segundo ele, na prática, analisando as mudanças já implementadas na rede estadual de São Paulo no primeiro semestre de 2022, verifica-se que estão sendo ofertados poucos itinerários formativos, sendo essa oferta ainda menor para grupos mais vulnerabilizados, como populações carcerárias, estudantes que cumprem medidas socioeducativas, populações indígenas e assentados rurais.
Conforme o professor, existe uma relação clara entre a oferta de itinerários formativos e o nível socioeconômico da escola, sendo que os estudantes pobres têm menos possibilidades de escolha. Na prática, a desigualdade entre os alunos, mesmo no âmbito apenas das escolas públicas, estaria sendo ampliada, e não reduzida, como prometido.
Ele apontou ainda a falta de professores para ofertar os itinerários formativos, o que leva ao descumprimento da carga horária prevista. “O problema é que as redes estaduais não estão ofertando 3 mil horas letivas totais no ensino médio. Então, nós estamos com um problema de oferta irregular. A Lei 13.415 não está sendo cumprida naquilo que ela tem de mais essencial, que é a expansão do número de horas letivas anuais”, avaliou.
Renato Araujo/Câmara dos Deputados
Fernando Cássio: desigualdade entre alunos foi ampliada e não reduzida
Revogação da reforma
Professor da Universidade de São Paulo (USP), Daniel Cara afirmou que a comunidade educacional das escolas públicas, onde estão 88% dos alunos do ensino médio, praticamente de forma unânime rejeita a reforma. Para ele, não é possível implementar a reforma na realidade brasileira, lembrando que 55% dos municípios brasileiros só têm uma escola. Ele citou dados, por exemplo, do Piauí, mostrando que 124 municípios tinham apenas uma escola de ensino médio em 2021, ofertando apenas um ou dois itinerários, e jovens que queriam fazer itinerários ligados às ciências da natureza, como medicina, não tinham essa possibilidade.
“A reforma do ensino médio parte de uma injustiça estrutural, porque sequer foi perguntando se era possível implementá-la, e você não pode constituir uma política sem reconhecer uma realidade”, opinou. Ele apontou que não existem nem salas de aula disponíveis para implementar os itinerários e defendeu o Projeto de Lei 2601/23, apresentado pelo deputado Bacelar (PV-BA) e 11 parlamentares, com apoio de especialistas em educação, que revoga o novo ensino médio e propõe o fim dos itinerários formativos. Para ele, o importante é garantir a todos os alunos uma boa formação geral básica.
Apoio das escolas particulares
Presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares, Bruno Eizerik defendeu o novo ensino médio, que, para ele, será mais plural e terá mais protagonismo do aluno, além de expansão da carga horária. “O modelo de itinerários é praticado na grande maioria dos países, na Europa, nas Américas”, disse. “Não estamos inventando um modelo novo, estamos nos adequando a um modelo que existe em muitos países e vem dando resultados positivos”, completou.
Ele acredita que o modelo antigo de ensino médio não vem dando resultados, conforme atesta o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). “Esse exame tem demonstrado, nos últimos resultados, que 95% dos alunos que terminavam o antigo ensino médio não tinham o conhecimento esperado dele de matemática, apenas 5% aprendiam o que era esperado de matemática. Se nós vamos para português, 69% dos alunos que terminavam o ensino médio não tinham aprendido o que era esperado”, afirmou. Além disso, ele chamou atenção para a alta evasão escolar no ensino médio, que chega a 33% dos estudantes, mostrando a necessidade de uma reforma.
Para ele, se houver vontade política, é possível avançar na implementação do novo ensino médio nas escolas públicas, assim como se avançou nas escolas particulares.
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Bruno Eizerik: modelo de itinerários é praticado na grande maioria dos países
Ensino profissional
Diretor-geral do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Rafael Lucchesi chamou a atenção para outros problemas do antigo ensino médio, como a falta de integração com a ensino profissional, deixando essa qualificação inacessível para muitos jovens, sendo que só 22% cursam ensino superior. Segundo ele, nos países europeus o número de estudantes que fazem educação profissional junto com a educação básica é muito maior do que no Brasil.
“Se nós olharmos para países como Áustria, por exemplo, 76% dos jovens que estudam de 15 a 17 anos fazem educação profissional junto com a regular. Na Suíça, 67%. Na Finlândia, 53%. Na média da União Europeia, 43%; nos países da OCDE, 38%, e no Brasil, 9%. Então é claro que isso é um grave problema da matriz educacional brasileira e que essa reforma vem a superar”, disse.
Ele salientou ainda que países com melhores índices educacionais do mundo têm itinerários formativos e avalia que a lógica que impera na matriz educacional brasileira é “academicista”, o que seria “elitizante”.
Visão dos deputados
Primeiro secretário da Câmara, o deputado Luciano Bivar (União-PE) pediu atenção à ética e moral na grade curricular do novo ensino médio.
A deputada Socorro Neri (PP-AC), 1ª vice-presidente da Comissão de Educação, afirmou que, com o seminário, o colegiado vai contribuir com consulta pública já aberta pelo Ministério da Educação sobre o novo ensino médio. Presidente da comissão, o deputado Moses Rodrigues (União-CE) informou que, após o seminário, será produzido relatório a ser apresentado ao ministro da Educação e ao presidente da Câmara. Ele observou ainda que foi criada uma subcomissão no colegiado para acompanhar a implantação do novo ensino médio.
Presidente dessa subcomissão e ex-ministro da Educação durante o governo Michel Temer, que sancionou a reforma, o deputado Mendonça Filho (União-PE) acredita que boa parte das críticas se dirigem ao velho ensino médio, como falta de estrutura e de professores. Para ele, a reforma pode colocar o Brasil sintonizado com as nações mais avançadas do mundo. O deputado Glauber Braga (Psol-RJ) disse que a reforma é privatista e acusou Mendonça Filho de defender a privatização do ensino, o que foi negado pelo ex-ministro e causou confusão no seminário.
Renato Araujo/Câmara dos Deputados
Socorro Neri: Seminário contribui com consulta pública aberta pelo governo
Já o deputado Tarcísio Motta (Psol-RJ) acredita que a reforma é o remédio errado para os problemas apontados no ensino médio, já que a reforma curricular não resolve as questões estruturais da educação pública. A deputada Professora Luciene Cavalcante (Psol-SP) afirmou que a mudança estrutural no novo ensino médio, com os itinerários formativos, causa preocupação pensando “na realidade das escolas públicas, onde estão mais de 80% dos alunos do ensino médio; pensando nas estruturas, já que mais de 3 mil escolas nem têm sistema de esgoto; e pensando na formação dos profissionais da educação”.
Para Pedro Uczai (PT-SC), o ensino médio tem que possibilitar ao mesmo tempo a qualificação para o mundo trabalho, para a universidade e para a cidadania.
Implantação da reforma
Ricardo Tonassi, do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais e Distrital de Educação, informou que a norma aprovada pelo Congresso Nacional já começou a ser aprovada em todos os estados, com distinção do momento da implantação.
“Temos 24 estados que estão já no segundo ano, 2 estados que já implantaram completamente”, disse. Sobre o financiamento da implantação da reforma e da formação de professores, ele afirmou que “se diminuir a corrupção nas secretarias de educação ela vai melhorar”, criticando o dinheiro gasto de forma indevida e desviado para outros fins.
A presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Jade Beatriz, ressaltou que desde 2017 a entidade alerta sobre a reforma do ensino médio e pediu que os estudantes sejam ouvidos. Segundo ela, vários estados ofertam itinerários descolados da realidade, e estudantes estão tendo aula de como fazer brigadeiro em escolas públicas em São Paulo ou de como fazer boneco de palha no estado do Ceará, no lugar de outras disciplinas importantes. Ela questiona como ofertar itinerários em estruturas de escola pública sem laboratório, por exemplo. E considera que o novo ensino médio aumenta a desigualdade social e a evasão escolar.
Posição do MEC
Secretário de Articulação Intersetorial e com os Sistemas de Ensino do Ministério da Educação, Maurício Maia disse que os diversos pontos de vista sobre a reforma merecem respeito. Ele disse que vê, no estágio atual de implementação da reforma, professores confusos e alunos inseguros, por conta do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). “Reformas curriculares são complexas, porque é preciso levar em conta a cultura profissional dos professores”. disse. “E, para mudar a cultura, é preciso apoio, é preciso que as condições materiais para essa nova cultura esteja dadas, e é preciso tempo”, ponderou.
Ele defende a ampliação da carga horária para os alunos brasileiros, que seria essencial para a mudança curricular. E observou que a implantação foi prejudicada pela pandemia de Covid-19 e pelo pouco diálogo nos últimos quatro anos entre governo federal e instâncias estaduais. Na avaliação dele, a lei não levou em conta adequadamente essas dificuldades. Mas lembrou que o presidente Lula já anunciou programa de apoio ao estados e municípios para promover o ensino integral. Ele é contra a radicalização das posições antes de se tentar o diálogo.
Segundo ele, o MEC está ouvindo entidades como o Conselho Nacional de Educação (Consed) e o Fórum Nacional de Educação para promover ajustes na reforma, sem que sejam necessárias mudanças na lei, e para promover também ajustes na lei se necessário.
Reportagem – Lara Haje
Edição – Roberto Seabra