Em trecho da decisão interlocutória proferida em Ação Civil Pública proposta pela Defensoria, o juiz André Muquy afirma que “o consumidor do interior não é menos digno que o da capital”.
O juiz de Direito André Luiz Muquy, que está respondendo cumulativamente pela Comarca de Codajás (distante 240 quilômetros de Manaus), deferiu no último dia 29/08 tutela de urgência antecipada e determinou que a concessionária de serviço público Amazonas Energia S.A. passe a fornecer serviço de energia elétrica no município de forma adequada, eficiente e contínua, sem oscilações e interrupções não programadas, bem como envide todas as diligências e reparos necessários para o correto funcionamento do serviço.
A decisão atende a uma Ação Civil Pública ajuizada pela Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE/AM), pleiteando a adequação do serviço prestado pela concessionária, bem como a condenação da requerida em danos morais coletivos. Na ação, de n.º 0600957-98.2023.8.04.3900, a autora alega que o fornecimento de energia elétrica vem sofrendo várias interrupções há anos, e que essas falhas têm causado impactos negativos nas escolas e hospitais municipais, comércio, órgãos públicos e outros que necessitam do serviço de forma contínua e ininterrupta.
A desobediência à determinação judicial prevê multa a ser fixada na seguinte proporção tempo/falta de abastecimento: até 20 minutos – R$ 30.000,00; de 20 a 60 minutos – R$ 100.000,00; tempo superior a 60 minutos – implicará multa diária de R$ 500.000,00, podendo chegar até o patamar máximo de R$ 50 milhões. O magistrado determinou que seja pautada audiência pública, devendo ser convidado Ministério Público e representante da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), sendo feita sua ampla divulgação pelos veículos que dispuser esta comarca. Nesta audiência, a empresa deverá apresentar plano de regularização de oferta de energia elétrica neste município, no prazo de 20 dias.
A decisão também traz que as interrupções deverão ser registradas pela Secretaria de Administração e Planejamento de Codajás, devendo ser encaminhada à unidade judiciária, todas as sextas-feiras de cada semana, e juntada nos autos da ACP, tendo a requerida o prazo de cinco dias para apresentar justificação.
Consta na ação que, após inúmeras reclamações da população local, a Defensoria instaurou Procedimento Coletivo para verificar as constantes quedas de energia, tendo se constatado a ocorrência de 399 interrupções, somente no período compreendido entre janeiro e abril de 2022.
A DPE sustenta que o serviço continuava sendo mal prestado e que não houve nenhuma melhoria de lá para cá, o que levou a Câmara Municipal da comarca a requerer providências diante dos prejuízos causados com as interrupções constantes do serviço de energia elétrica. Argumenta ainda que, mesmo ciente dos imbróglios e do manifesto descontentamento da população local, a requerida não deu nenhuma solução para os problemas causados, “em total descaso com os munícipes”.
Em sua defesa, a concessionária alegou, de acordo com os autos, que as faltas de energia na referida localidade seriam decorrentes de “eventos extraordinários como a massiva maioria dos motivos de interrupção intempestiva ocorrem em decorrência de animais, corrosão, quedas de árvores ou vegetação, descargas elétricas, queimadas ou desligamentos emergenciais”.
Em sua decisão, o magistrado André Luiz Muquy afirmou que “o que se tem nesta Comarca é um cenário caótico de falta de energia, prejudicando aulas em escolas, atendimento de pacientes em hospitais, audiências neste Fórum, de tal forma a impor a população inúmeras situações indignas”. Segundo o juiz de Direito, o “fornecimento de energia elétrica está umbilicalmente ligado à dignidade da pessoa humana, constituindo um serviço público essencial na garantia de um ‘mínimo existencial’, principalmente em comunidades que vivem na extrema pobreza, onde o fornecimento de energia elétrica é considerado serviço público de cunho essencial à sociedade, devendo ser prestado de forma adequada, segura, eficaz e contínua.
O juiz ressalta que “fatores imprevisíveis são aqueles que acontecem ocasionalmente de forma esporádica, e que não poderia ser previsto pelo prestador do serviço. No caso concreto, estamos falando de em um único dia ocorrerem 10 (dez) interrupções de energia” e que “não é crível que Codajás seja tão desafortunada, que caiam tantas árvores, haja tanta corrosão e queimadas, que todos os dias (ou quase todos) os moradores sofram com a falta de energia”.
Ele acrescenta que o “o consumidor do interior não é menos digno que o da capital. Trago como exemplo o ‘apagão’ ocorrido no dia 15 de agosto de 2023, ocasião em que Manaus e outras cidades ficaram cerca de três horas sem energia elétrica”.
Nos autos, André Luiz Muquy embasa sua decisão citando a Lei .n° 7.783/1989, popularmente conhecida como “Lei de Greve”, que em seu artigo nº 10, I, elenca a energia elétrica como um dos serviços ou atividades essenciais “(Art. 10 – São considerados serviços ou atividades essenciais: I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; Uma vez sendo considerado serviço público essencial e dada essa natureza, não pode ser interrompido deliberada e indiscriminadamente como vem acontecendo. A isso a doutrina chama de princípio da continuidade dos serviços públicos. A continuidade é uma das características do serviço público adequado, segundo expressa previsão legal)”, registra o texto da decisão interlocutória.