Transmitido ao vivo pelo YouTube do Regional, o seminário contou com a presença de ministros do TST e lideranças indígenas.
Abrindo o seminário, a desembargadora Márcia Nunes da Silva Bessa, corregedora regional, falou sobre a jurisdição do TRT da 11a Região, que possui 32 Varas do Trabalho, sendo 3 em Boa Vista (RR), 19 em Manaus, e 10 no interior do Amazonas. Ela destacou os serviços da Justiça do Trabalho Itinerante, que atende 62 municípios que compõem o Amazonas e 15 de Roraima. “Falar de itinerância é falar de acesso à Justiça. É falar em direitos humanos, em cidadania, em uma sociedade justa, solidária e fraterna”, declarou. A corregedora explicou o propósito do evento: “trazer a Justiça do Trabalho para o coração da Amazônia, aproximá-la de seus povos originários, conhecer sua cultura, desafios e, a partir deles, estabelecer políticas prioritárias de tratamento de suas demandas junto ao Poder Judiciário Trabalhista”.
Além da corregedora regional, compuseram a mesa de honra o ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, do Tribunal Superior do Trabalho (TST); a desembargadora Joicilene Jerônimo Portela, gestora regional do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem do TRT-11; desembargadora Joana Meirelles, do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (Tjam); o juiz do trabalho Adelson da Silva Santos, presidente da Amatra XI; a procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho da 11ª Regiao (MPT), Alzira Melo; e o cacique Ismael Gonçalves, da etnia Munduruku, líder do Parque das Tribos.
Assinatura de acordo entre TRT11 e Federação Estadual do Índio
Logo após a abertura do evento houve a assinatura do Acordo de Cooperação Técnica entre o TRT- 11, e a Fundação Estadual do Índio (FEI), cujo objetivo é a cooperação técnica-científica, administrativa e operacional entre as instituições, visando à adoção de políticas e ações de proteção contra a exploração do trabalho infantil, da mulher e do indígena no Estado do Amazonas. O acordo visa também a atender às demandas e necessidades específicas de melhoria do acesso à justiça do trabalho da população indígena. Assinaram o acordo a corregedora regional do TRT-11, desembargadora Márcia Bessa, e o presidente da FEI, Vanderlei Alvino.
Palestras reforçam a dignidade da pessoa humana
Nos dias de hoje, utilizando um aplicativo, é possível ter acesso aos processos trabalhistas pelo celular, uma vez que 99,9% dos processos trabalhistas são informatizados no Brasil. Mas essa modernidade não atinge todo o País, reconheceu o ministro do TST Cláudio Mascarenhas Brandão, em palestra de abertura do seminário. Ele fez uma retrospectiva de 2010, no início da informatização no Brasil, até os dias atuais, com o desenvolvimento de um aplicativo vinculado ao PJe que permite a consulta de processos em qualquer parte do Brasil.
O ministro ressaltou como desafios da conectividade a falta de energia elétrica, que ocorre em muitos lugares da Amazônia, inviabilizando o uso de computadores, e também o alto custo da internet. De acordo com a Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU), para garantir a internet a todos o país necessita investir R$ 60 bilhões, o que dificilmente será conseguido. Hoje, os excluídos digitalmente ainda são 46 milhões de brasileiros. Para ele, ainda há um desafio maior que é garantir o amplo acesso à justiça. “Se uma pessoa não tem acesso à Justiça, o Estado nega a essa pessoa o direito à cidadania”, reconheceu. Ao final da palestra o ministro enfatizou o aprendizado adquirido com o que vivenciou e conheceu em São Gabriel da Cachoeira: “todos nós sairemos daqui diferentes”, concluiu.
O ministro do TST Breno Medeiros abordou o tema “Direito ao trabalho de grupos minoritários e a jurisprudência do TST”. Ele citou a Constituição Federal de 1988, que no artigo 6º trata sobre o direito ao trabalho e apontou os quatro “S” do trabalho que garantem a dignidade da pessoa humana: sustento, saúde, segurança e status. Sobre a jurisprudência do TST aos indígenas, o ministro Breno Medeiros apresentou alguns acórdãos, como um da 12ª Região (SC) e outro da 24ª Região (MS), em que o TST manteve a decisão dos tribunais. Assim como o ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, o ministro Breno Medeiros também declarou que a ele “faltava essa visão amazônica e teremos um novo olhar ao voltar ao TST”.
A educadora e ativista social Amanda Cristina Ferreira, coordenadora do Instituto de Assistência à criança e ao adolescente Santo Antônio (Iacas) não mediu palavras ao abordar o tema “A exploração sexual, infantil e do trabalho indígena na Amazônia”. Reclamando a inexistência de políticas públicas, Amanda declarou: “o progresso não chegou, mas o tráfico, sim. E adotou as crianças”. Há dois anos o Iacas fez uma pesquisa em São Gabriel da Cachoeira e detectou exploração sexual e outros tipos de violência. E apesar do Estatuto da Criança e do Adolescente (Eca) definir prioridade absoluta à criança, isso não acontece na prática, reclama a ativista.
O trabalho infantil na roça, ajudando os pais, tira a criança da escola no interior do Estado, onde também é naturalizado o casamento infantil, porque meninas são molestadas e engravidam com 10, 12 anos. E muitas vezes essas meninas casam com o abusador que tem 30 anos, relata Amanda Cristina. Ela reclama que os processos de exploração sexual “não andam e sequer são julgados e quem perde é a vítima”. Ela diz que apoia campanhas que incentivam denúncias de abusos contra crianças, mas como há pouca efetividade nos processos, as pessoas perdem a confiança e se calam.
Itinerância
A realidade de um juiz da 11ª Região que faz itinerância em um Estado de dimensões continentais como o Amazonas, foi apresentada pelos juízes Sandro Nahmias Melo, titular da Vara do Trabalho de Presidente Figueiredo, e Yone Silva Gurgel Cardoso, titular da Vara do Trabalho de Manacapuru. Para atender a 62 municípios do interior há apenas 10 varas, e os trabalhos da itinerância são indispensáveis.
A Vara de Presidente Figueiredo, por exemplo, atende também a Barcelos e São Gabriel da Cachoeira. Para dar uma ideia da extensão territorial a ser coberta, o juiz Sandro Melo diz que é igual a soma dos Estados de Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Espírito Santo. E ao contrário de outras regiões, aqui o deslocamento é feito de barco, de avião e também por estradas, o que torna a missão dispendiosa e demorada. Devido a essa realidade peculiar ele comparou o juiz ao “Indiana Jones”, o herói de filmes de Holywood. Além dos desafios inerentes à geografia, há ainda as ameaças. “Eu já sofri ameaça de prefeito”, revela o magistrado. A alegria vem quando as pessoas que aguardaram muito tempo pela solução do problema, têm o caso solucionado. O juiz apresentou vídeos com alguns depoimentos.
A juíza Yone Silva Gurgel Cardoso, titular da Vara de Manacapuru, responde também por vários municípios, a exemplo de Anamã, que no período de cheia dos rios, até para atravessar a rua é necessário utilizar um barco. No caso de Caapiranga o acesso na vazante é por um rio estreito, perigoso e muito bem visitado por jacarés, conta ela. Nas itinerâncias há sempre o perigo de uma viagem de avião, numa estrada de difícil acesso e de barco durante uma tempestade. “Não tem juiz que não tenha vivido o medo correr nas veias”, enfatiza.
Dos inúmeros aprendizados a juíza diz que expressões como: “oi, dona”, “madame” e “vizinha” significam “Vossa Excelência”. Para ela, mesmo com todas as dificuldades e desafios, a itinerância tem o lado positivo, como ver alguém que voltou a confiar na justiça ao ter a questão trabalhista solucionada.
Dignidade, diferença e trabalho
O Doutor em Direito Socioambiental Edson Damas da Silveira iniciou a palestra informando que deixaria o ‘juridiquês’ de lado pois falaria especialmente ao público indígena presente no auditório. Ele explicou o conceito de dignidade e o que ela representa para os indígenas, falou sobre a importância em se respeitar as diferenças entre os povos, e abordou os direitos e as condições de trabalho dos povos indígenas, reconhecidos pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Os índios existem e devem ser respeitados. Têm direitos de se autodeclararem indígenas, e de verem suas crenças, tradições e costumes reconhecidos. A OIT fala do direito à diferença. Na prática, os índios precisam ser tratados de forma diferente inclusive nas relações e nos contratos de trabalho”, afirmou.
Seguindo a programação do seminário, o painel de manifestações com representantes indígenas tiveram as etnias: Baré representados por Marivelton Barroso; Baniwa por Adilson Joanico; Yanomami pelo senhor José Mario; Tariana por Lorena Araújo; e Dessana pelo senhor Ercolino Alvez. Todos são líderes e ativistas da causa indígena. Em suas palavras, Adilson Joanico do povo Baniwa, agradeceu pelo interesse e realização do evento na terra de São Gabriel e prometeu levar o aprendizado ao seu povo. “É disso que o nosso país precisa, de pessoas que fiquem ao lado de quem mais necessita. Muitos de nós não sabemos quais nossos direitos, quanto vamos receber, e quando o salário atrasa, o que fazer? E hoje podemos entender parte disso”, frisou. Lorena Araújo, representante da etnia Tariana comentou sobre a precariedade da educação e a falta de segurança para jovens e crianças indígenas que sofrem com abusos sexuais. “Lutem por nós e façam acontecer justiça. Mesmo que seja difícil o acesso, vocês ainda conseguem chegar até aqui, os nossos parentes não conseguem. Não nos abandonem”, pediu.
Economia verde, justa e inclusiva
Com a participação no formato de vídeo, o ministro do TST Lélio Bentes Corrêa contribuiu para o seminário com palestra de tema “Trabalho decente na Amazônia”. Ressaltou que cerca de 6 bilhões de pessoas trabalham sem proteção social, na informalidade, e defende a promoção de um serviço decente, de direitos a serem respeitados e que foram enriquecidos no ano de 2022 com cinco direitos fundamentais: Liberdade de sindicalização e de negociação coletiva; Proteção contra a discriminação; Proibição do trabalho escravo; Proibição do trabalho infantil; Trabalho desenvolvido em ambiente protegido, quanto a saúde e segurança de trabalhadoras e trabalhadores.
Disse ainda que não apenas esses direitos precisam ser protegidos, porém todos os outros assegurados pela normativa internacional e legislação nacional precisam ser respeitados. “É fundamental que as relações de trabalho partam do princípio da preservação da dignidade do ser humano, em qualquer ambiente e em particular no ambiente amazônico. Emprego verde e emprego digno são conceitos que caminham lado a lado, a implementação de economia verde deve ser pautado no direito fundamental ao trabalho digno, a fim de garantir que a transição para aquilo que se entende como economia verde, seja inclusiva e justa para todos e todas”, finalizou.
O seminário ‘Acesso à Justiça na Amazônia: a exploração do trabalho e dos povos indígenas’ pode ser acessado em qualquer tempo no link:
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Coordenadoria de Comunicação Social
Texto: Martha Arruda, Terezinha Patrícia e Vanessa Costa
Fotos: Renard Batista
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