Handech Wakanã quer aprender mais a fundo, no curso de Engenharia Química, os remédios que já prepara na aldeia Itaparanã
Ele é membro da etnia Mura e um dos calouros do curso de Engenharia Química da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). FOTOS: Jacqueline Nascimento/UEANão existem barreiras quando o que está em jogo é a realização de um sonho. É assim que pode ser definida a trajetória, rumo à faculdade, do indígena Joabe Ferreira Belém, 42. Ele é membro da etnia Mura e um dos calouros do curso de Engenharia Química da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
Mas, para chegar à sala de aula, na Escola Superior de Tecnologia (EST/UEA), o percurso foi, literalmente, bem longo: dois dias e uma noite em cima de uma motocicleta, correndo risco na BR-319, rodovia que liga o município de Humaitá a Manaus. Foram percorridos mais de 700 quilômetros.
O calouro trouxe na garupa sua grande apoiadora na realização desse sonho de criança, a irmã Geofani Belém, 36. “Ela veio com a mochila nas costas, equilibrando uma garrafa de café nas coxas e com 20 litros de gasolina na parte de trás do banco”, disse o irmão, cuja bagagem restante foi trazida a Manaus por um amigo, motorista de caminhão baú, que se dispôs a ajudá-lo.
Joabe é conhecido entre os Mura como Handech Wakanã, cujo significado é líder espiritual de coração puro. Ele veio para Manaus com um desejo maior: unir a cultura da medicina tradicional, adquirida com seus antepassados, aos conceitos da engenharia química que aprenderá nos bancos da faculdade.
“Quero aprender as fórmulas corretas, saber por que um chá serve para determinado problema e que é comprovado, cientificamente, que cura determinada enfermidade”, explica Handech, como prefere ser chamado. Segundo Geofani, quando alguém na aldeia Itaparanã está doente é ele quem faz o remédio. “Entra na mata, conversa com a natureza e sai de lá com a receita. Meu irmão sempre teve uma inteligência acima do normal”, diz, orgulhosa.
Joabe é conhecido entre os Mura como Handech Wakanã, cujo significado é líder espiritual de coração puro. FOTOS: Jacqueline Nascimento/UEAIncentivo
Tão forte quanto o desejo de adquirir conhecimentos é a vontade que sua história sirva de incentivo a outros indígenas. Desde cedo Handech tem em mente que o estudo realmente pode mudar a vida das pessoas. Segundo o líder espiritual, é triste ver que muitos parentes até mais jovens que ele, que residem nas capitais, vivem acomodados. “É importante que se busque o conhecimento, se profissionalize. Assim, teremos mais chances de mudar, para melhor, a vida dos povos indígenas.”
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Aldeia incentivou a capacitação
A decisão de vir para Manaus foi tomada em conjunto com o povo da aldeia, em Humaitá. Handech sentiu a necessidade de se capacitar na área e foi indicado e apoiado pela comunidade para prestar vestibular do curso. “Quero fazer cosméticos naturais e desenvolver projetos na área visando a melhoria da qualidade de vida do meu povo”, adianta.
Assim que se formar, o futuro engenheiro químico voltará a viver na aldeia Itaparanã, onde exerce papel importante. “Lá, atuo como líder da comunidade e líder espiritual, que chamamos de Pandé. Também sou professor da língua Mura. Deixei minha esposa e filhos para vir para um lugar que eu não conheço.”
Falando em filho, Jhyerony Thyago, 22, o herdeiro mais velho de Handech, também foi aprovado na UEA, mas para o curso de Direito. Em agosto iniciará as aulas em seu município. No dia 26 de julho, seu pai teve seu primeiro contato com o curso e colegas na EST, na capital. “Me assustei um pouco no começo. Fiquei nervoso porque vi muita coisa que ainda não tinha estudado. Deu até vontade de ir embora, mas pensei: estou aqui para aprender e vou pesquisar, estudar o que não sei”, disse, confiante.
Em Manaus, Handech está contando com a ajuda de um amigo, que lhe cedeu espaço em sua casa, onde pretende ficar temporariamente. Sua intenção é fazer parte de algum projeto e conseguir uma bolsa de estudo para se manter na capital. Os gastos não têm sido poucos. Todos os dias ele leva 40 minutos do bairro Jorge Teixeira até chegar à faculdade, onde estuda de manhã e à tarde.
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Políticas voltadas a etnias do Amazonas
Desde 2005, a UEA destina um percentual de vagas, por curso, no mínimo igual ao percentual da população indígena. Elas devem ser preenchidas, exclusivamente, por candidatos pertencentes às etnias localizadas no Amazonas. Além disso, a universidade oferta bolsas e concede apoio para a permanência dos alunos na instituição, com a intenção de que obtenham êxito e excelência na conclusão do curso.
A UEA também já ofertou o curso Tecnológico em Agroecologia para a comunidade indígena de Umariaçu, e de Pedagogia Intercultural, do Programa de Formação de Professores Indígenas (Proind), este último foi realizado em 52 municípios do Amazonas, por meio da modalidade de ensino Presencial Mediado por Tecnologia (IPTV).
O reitor da UEA, Prof. Dr. André Zogahib, diz que se orgulha ao ver o caminho que Handech e outros indígenas estão trilhando dentro da universidade. E aproveita para reforçar o compromisso de sua gestão com a inclusão, fazendo com que todos tenham voz no espaço acadêmico, participem ativamente e sejam respeitados.
“Formamos mais de 700 alunos indígenas e a nossa missão é levar a educação de qualidade da UEA para todos os municípios do Amazonas. Além disso, estamos de portas abertas para o diálogo com lideranças indígenas, na construção de melhorias, principalmente no acesso à graduação, pós-graduação e projetos dentro da instituição”, reforçou o reitor.
O post Indígena chega à UEA para realizar sonho de curar parentes