As indígenas compartilharam as suas múltiplas vivências na sociedade amazonense
Ser indígena é sinônimo de luta, história e resistência, por isso, no dia 8 de março, além de celebrar as conquistas femininas, as mulheres indígenas ressaltam a sua força no resgate de suas identidades. Atualmente, a Fundação Estadual do índio (FEI) tem 20 colaboradoras indígenas, além de representar todas as mulheres indígenas do Amazonas.
Elas lutam e resistem contra as imposições em seus cotidianos e contra as desigualdades até os dias atuais. O Dia Internacional da Mulher é uma data comemorativa que foi oficializada pela Organização das Nações Unidas na década de 1970. É um dia alusivo de reflexão sobre a luta e as conquistas das mulheres, principalmente por igualdade e respeito ao longo da história.
Uma delas é Adriana Cardoso Melo, da etnia Munduruku, colaboradora da instituição, nascida e criada na aldeia Kwatá, no município de Borba, que veio para Manaus, em 2019, para cursar Administração. Para ela, ser mulher indígena é o significado de resistência.
A sua presença na faculdade foi motivo de surpresa aos colegas de sala. “Ao chegar na faculdade, eu tive uma surpresa dos colegas de turma com a presença de uma mulher indígena no ensino superior, caminhando para um futuro de conhecimento na sociedade. Acredito neste reforço social ao ocupar esses espaços”, relatou a assistente administrativa.
Morando com a irmã em Manaus, ela não consegue manter os costumes de falar seu idioma nativo, porém, na aldeia, ela fala habitualmente, principalmente, porque a sua mãe é professora da língua Munduruku.
Adriana compartilha que sente orgulho quando presencia o aumento de mulheres ocupando cargos como Cacique ou Tuxaua. Para ela, reforça o símbolo de resistência feminina.
Iracema Matutina Matsés, também conhecida como Iara, de 26 anos, da etnia Mayoruna Matsés, da aldeia Terrinha Rio Vale do Javari, no alto Solimões, mesmo saindo de sua aldeia para vir a Manaus, Iara entende que não se pode perder a sua cultura de origem, ela ainda fala a sua língua.
“Geralmente, todos os dias eu falo (a língua Matsés) com todos os meus familiares, a gente ensina para os mais novos, na minha aldeia, por ser muita isolada, não se perdeu muito dos costumes, por isso faço questão de passar adiante na cidade grande”, compartilha a auxiliar de serviços gerais.
Ela expõe a visão indígena e ao ver a conquista da posição de cacicado na aldeia, é como se fosse um irmão mesmo sendo um homem ou mulher. Segundo ela, ser mulher indígena é ser guerreira.
Maria de Jesus dos Santos Corrêa, mais conhecida pelo seu nome de criação, Bia Kokama, 47, cacica da Associação Indígena Beneficente Kokama do Amazonas, natural de São Paulo de Olivença, não é primeira cacica da etnia Kokama, sua mãe Inaura iniciou este novo paradigma.
Seu avô teve um filho, mas que nasceu com uma deficiência mental e, por isso, ele passou o cacicado para a sua mãe: “Foram chamados todos os patriarcas da família e eles que deram o aval para o meu avô passar o cacicado para a minha mãe, por ser a filha mais velha”, relata a cacica.
Bia se tornou chefe de aldeia em 2010, na época, a sua comunidade acabou sendo despejada da antiga localização no Monte Horebe, porém, ela transferiu todos os seus parentes para sua atual residência no Conjunto Cidadão 12, bairro Nova Cidade. Ela compartilha que o trabalho de um cacique é muito difícil.
“O cacique tem que cuidar da sua família e da dos outros, ser um pouco mãe, ele precisa ser um pouco de agente de saúde, um pouco de delegada, porque o cacique precisa intervir em todas as coisas que ocorrem na comunidade para garantir o bem-estar de todos”, afirma a chefe da Associação. Ela acredita que ser mulher indígena é florescer.
Um outro exemplo de cacica é Ana Maria Ramos Ferreira, da etnia Mura, 48, líder da aldeia Jaçanã, localizada no município de Itacoatiara, interior do Amazonas. Ela acredita que outras mulheres indígenas deveriam ter a oportunidade de serem cacicas: “Eu fico muito feliz, é muito gratificante estar na frente, é cansativo, mas a gente está lá, em nome do nosso povo, a gente vai em busca da nossa melhoria, eu queria que outras mulheres tivessem essa oportunidade, essa coragem”, reflete a agricultora.
Ana lamenta não poder passar a língua Mura para sua aldeia, pois o único que sabia falar era o seu marido que, infelizmente, sofreu um AVC (acidente vascular cerebral) e perdeu o domínio da fala.
No entanto, ela preza em ainda fazer as comidas da sua aldeia e repassar o ensino aos seus filhos: “O que eu tento fazer é resgatar a nossa cultura, hoje, você não faz mais panela de barro, não faz mais peneira, o pouco das minhas origens que eu tenho é fazer farinha, fazer beiju, plantar roça, cultivar verduras, sei fazer vários tipos de queijos”, expõe a líder. Em sua visão, ser mulher indígena é ser forte.
“Suas lutas são as mais diversas, por maiores e melhores terras, cidadania, emprego, respeito e igualdade”, pontuou o diretor-presidente da FEI, Sinésio Trovão.