O livro “Amazonês – Expressões e termos usados no Amazonas”, escrito pelo professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Sérgio Freire, é resultado de investigação acadêmica no campo da linguística e de observações empíricas sobre como os amazonenses se expressam por meio da fala, em seu cotidiano. O lançamento da edição mais recente ocorreu na noite da última quinta-feira, 11, na Galeria do Instituto Cultural Brasil – Estados Unidos (Icbeu), localizado na avenida Joaquim Nabuco, 1.286, Centro, e contou com a presença do reitor da Ufam, professor Sylvio Puga.
Ao prestigiar o lançamento, Sylvio Puga orgulhou-se ao dizer que o autor do glossário está entre os melhores quadros da Universidade e realiza pesquisas que geram contribuições de excelência para a sociedade amazonense. Especificamente sobre o livro, o reitor avaliou: “trata-se de um dicionário útil para entendermos como nos comunicamos entre nós mesmos, com o uso de expressões em contexto que nem nos damos conta”. “É uma oportunidade de autoconhecimento”, resumiu.
Diretor da Editora da Ufam, o professor Sérgio Freire indicou os usos mais recorrentes para o livro. Segundo ele, um primeiro uso é como obra de consulta, um glossário mesmo. Depois, pode ser utilizado como instrumento de sala de aula, uma forma de associar a variedade regional da língua falada e a língua formal, aquela ensinada na escola. “É mérito do professor, ao utilizar uma obra como essa nas suas aulas, trazer para esse ambiente a realidade do aluno, o modo como ele aprendeu a se comunicar em comunidade”, enfatizou Freire.
Além disso, o “Amazonês” também é dado como presente aos visitantes de outras partes do país, uma forma de dar a conhecer a nossa identidade. “Nosso trabalho, como pesquisadores da linguística, é registrar o conhecimento produzido nesse segmento cultural, como ocorre à culinária e à arquitetura, por exemplo. Assim, produzimos uma memória cultural”, apontou o autor. A obra está inserida no ramo chamado lexicografia e, como a língua é viva, trabalhos como esse necessitam de atualizações conforme muda a própria sociedade.
Genealogia do “Amazonês”
A obra, lançada pela primeira vez em 2011, ganhou o gosto do público ao longo da última década, sendo reeditado outras três vezes nesse período, sempre pela editora Valer. Sua contribuição cultural e histórica, assim como a linguagem clara e descontraída, garantem o amplo alcance entre os distintos públicos de leitores. Doutor em Linguística, o professor Sérgio Freire revela que a linguagem aqui falada teve a influência de três fontes: a indígena, a portuguesa e nordestina. Esse encontro engendrou formas de expressão autênticas e marcantes no cotidiano do povo amazonense.
“Na verdade, a ideia surgiu bem antes de 2011. Foi em 2005, quando eu cursava a disciplina de Sociolinguística, durante o doutorado. Ali tive a ideia de elaborar um pequeno glossário sobre os termos e expressões falados no Amazonas, reunindo dados de municípios do entorno da capital e unindo isso à pesquisa histórica sobre a formação dessa nossa linguagem própria”, recordou o autor. Nesta quarta edição, o trabalho é atualizado com novos termos e expressões, enquanto outros são retirados, por já estarem datados. “Também recebemos contribuições espontâneas de amazonenses que já conhecem o trabalho. Daí fazemos as pesquisas e todas as checagens para viabilizar a inclusão. No fim do processo, temos a gratificante sensação de dever cumprido”, disse o autor.
A respeito das três contribuições, o professor explicou sucintamente cada uma delas ao apresentar antes da sessão de autógrafos. Nas línguas indígenas, encontramos a gênese da oralidade. Quando os portugueses aportaram aqui, havia mais de 700 línguas locais, e hoje existem apenas 180 delas. Até o século XVII, a “língua geral”, chamada Nheengatu, era a mais falada entre os nativos, mas, a partir do século XVIII, por ocasião das reformas pombalinas, o português europeu passou a ser exigido. Enquanto daquela primeira herdamos expressões como “ficar de bubuia” (como a cobra fica sobre as águas do rio, sem grandes preocupações), do português ficou marcante o “chiado”, muito próximo daquele que aparece na fala dos cariocas. Por fim, os dois ciclos de extração de látex na Amazônia foram responsáveis pela chegada de milhares de nordestinos para a região (chamados de soldados da borracha). Eles contribuíram com a inserção de termos como “esculhambado” e “escangalhado”, entre muitos outros. Podemos concluir, então, que o “Amazonês” resulta desse tríplice encontro.