Medindo cerca de 75 centímetros e podendo pesar até oito quilos, o cachorro-vinagre (Speothos venaticus) é uma das espécies com registros raros na natureza, mas, para a surpresa de um grupo de pesquisadores, um bando da espécie foi filmado em uma das Unidades de Conservação (UC) gerenciadas pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema). O registro demonstra a grande importância das áreas protegidas para a conservação de espécies ameaçadas de extinção.
O grupo de quatro animais foi filmado no final de fevereiro, em uma das 38 armadilhas fotográficas instaladas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Negro (a 70 quilômetros de Manaus). No entanto, a análise e divulgação das imagens só foi possível em agosto, em virtude da pandemia da Covid-19.
“Esse animal é bem raro de ser registrado em seu habitat natural, sobretudo em uma área que sofre com a pressão urbana. A presença deles na RDS do Rio Negro, que é próximo de Manaus, demonstra a importância das áreas protegidas para conservação da biodiversidade. Esse registro evidencia também a grande relevância da pesquisa científica em áreas tão ricas como as unidades de conservação do estado”, disse o secretário de Estado do Meio Ambiente, Eduardo Taveira.
O trabalho de monitoramento é realizado em parceria com o Grupo de Pesquisa de Mamíferos Amazônicos (GPMA), do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Na RDS do Rio Negro, a atividade é coordenada pela doutoranda do Programa de Pós-Graduação do Inpa, Dayse Ferreira, que estuda o comportamento de mamíferos de médio e grande portes em áreas de conservação.
“Como não tínhamos informações sobre a ocorrência de cachorros-vinagre na reserva, não esperávamos registrar a espécie, no entanto, ano passado, tivemos o relato de um aluno que avistou um grupo deles em uma atividade de campo. A partir daí ficamos atentos a outros vestígios para captar imagens do animal. O registro que temos para RDS do Rio Negro é fantástico porque estamos aumentando as informações sobre esta espécie”, explicou Dayse.
Esta não é a primeira vez que o cachorro-vinagre é registrado em Unidades de Conservação Estaduais do Amazonas. A espécie já foi flagrada por pesquisadores do Instituto Mamirauá na RDS do Amanã e, em 2019, pelo GPMA, na Reserva Biológica do Alto Rio Cuieiras.
Ameaças à espécie – Segundo a lista do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) de espécies ameaçadas, o cachorro-vinagre é classificado como vulnerável por conta do isolamento da sua espécie e da degradação de seu habitat causada pelo desmatamento, adensamento humano e doenças como a raiva.
De acordo com a pesquisadora do Inpa, a presença do cachorro-vinagre na região é um indicativo da qualidade ambiental da Unidade de Conservação, porém, também demonstra que a área deve receber atenção para garantir a preservação da espécie – que dificilmente se mantém em um ambiente perturbado.
“A ocorrência da espécie demonstra a importância da RDS do Rio Negro para conservação de mamíferos ameaçados e raros como o cachorro-vinagre, mas também é um alerta para que as autoridades atuem de maneira ainda mais eficaz nessa região, que vem sofrendo um aumento crescente de desmatamento ilegal, abertura de ramais, além da caça utilizando cachorros, que já foram diversas vezes registrados nas armadilhas fotográficas”, enfatizou Dayse.
A presença de cães representa mais uma ameaça à sobrevivência da espécie, pois podem transmitir doenças como parvovirose, raiva e sarna sarcóptica para os cachorros silvestres, conforme explica a assessora técnica e bióloga da Assessoria de Bem-Estar Animal (Assbea) da Sema, Nete Moura.
“Agora que temos conhecimento da presença do cachorro-vinagre em uma área tão próxima de Manaus, podemos trabalhar em ações de conscientização com a população sobre os perigos dos cães domésticos nas áreas onde os cachorros-vinagre podem estar se reproduzindo. Seria uma alternativa mostrar para os comunitários os pontos onde a espécie foi avistada e sugerir uma delimitação da área”, disse a assessora técnica da Sema.
Sobre o cachorro-vinagre – O cachorro-vinagre possui coloração marrom-avermelhada, sendo a cabeça e a região dorsal mais claras, suas pernas e cauda são curtas e as orelhas arredondadas. Ele vive em grupos que podem variar de dois a 12 indivíduos, nos quais existe um casal dominante, que pode reproduzir de um a seis filhotes. Por conta da suas características específicas, ele é classificado como semiaquático.
A espécie ocorre em boa parte do Brasil, mas existem poucas informações conhecidas sobre a sua população no país, o que torna a espécie rara. Sua área de ocorrência vai do Panamá até o Sul do Brasil, abrangendo os biomas da Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado, Pantanal, com exceção da Caatinga. O animal também é encontrado em países vizinhos como Paraguai, Argentina, Bolívia, Peru e Equador.